Lampião de Carbureto

Dias atrás estive visitando mais uma vez meu amigo que tem uma oficina. Dentre outras habilidades a sua maior especialidade é fazer facas customizadas com diversos tipos de aços , bem como o damasco. Para confecção do damasco ele possui um forno a gás e um martelete, daqueles antigos com mancais do eixo ainda de metal patente, onde com grande habilidade junta diversos tipos de aços ,aquece e caldeia na forja, transformando-o em aço damasco.

Para muitos uma visita dessa não representa muito , mas para mim traz recordação do tempo em que era moleque e meu pai pedia prá eu buscar um pedaço de ferro chato num fabricante de charretes e carroças .Lá eu ficava admirando os ferreiros que malhavam em dupla, sobre grande bigorna, o aço ao rubro que antes ardia na forja de carvão coque. Os ferreiros suavam copiosamente sob o calor do ambiente onde centelhas incandescentes de carvão riscavam os ares . O som de sino da imponente bigorna com sua face plana e polida soava como música aos meus ouvidos.
Voltando a oficina sui generis do amigo, lá podemos encontrar muita coisa interessante que satisfaz nosso prazer como: bodoque ,lâminas variadas semi acabadas, muitas empunhaduras de facas, algumas esculpidas , coronhas de armas, facas sorocabanas. Horas lá dentro passam como minutos no deleite da variedade de coisas que nos atraem.
Uma coisa que me chamou atenção foi um lampião a carbureto, muitíssimo bem trabalhado em inox com as partes de rosca em latão. Como havia diversos, não hesitei em perguntar se vendia um, e acabei trazendo um prá casa para adorno. O amigo me explicou que aqueles eram os últimos feitos por um ancião muito habilidoso.

Esse lampião me fez voltar no tempo e recordar quando fazíamos caçadas de rãs com luz de carbureto do lampião que meu pai fez, que ainda guardo de recordação.
O ritual da preparação muitas vezes vale como parte da caçada. Diferente de hoje em dia que pegamos uma lanterna e já saímos, o lampião a carbureto, tinha que limpar primeiramente os restos da última vez que foi usado, pois deixávamos aceso até acabar o gás, então ficava a sobra das pedras transformadas numa substância branca igual a cal.
Limpávamos o recipiente de baixo e colocávamos novos pedaços de pedra de carbureto, enchia o reservatório de água e testava o registro para ver se pingava. Colocávamos o recipiente de água sobre o das pedras e certificava que estava bem vedado. Limpava o bico com um arame fino de aço que ficava amarrado no lampião. Polia o refletor de metal e acendia o gás.
Tudo a contento, tomava a fisga com cinco ou seis pontas fixada num cabo de bambu, e saía em busca dos pequenos córregos onde coachavam sapos e rãs nas noites quentes de verão.
Para o novato era um pouco difícil identificar a diferença do sapo e da rã e muitas vezes confundia e pegávamos sapos. Com o tempo a prática era adquirida, apanhávamos diversas rãs, mas quando deparávamos com uma rã pimenta, os nervos vinham a flor da pele, pois a gente não podia falhar.Sorrateiramente, aproximávamos a fisga bem perto da divisa entre a cabeça e o corpo da rã , com um golpe rápido enterrava a fisga. Não podia levantar a fisga, pois a tal era ardilosa e até não ser apanhada com as mãos não podíamos afrouxar a fisga.
Chegando em casa limpávamos as rãs e noutro dia saboreávamos fritinha a iguaria que hoje quase não vemos mais.